Compra premiada, ou conto do paco?




Religiosidade, crenças, adoração a deuses ou qualquer outro tipo de fobia inserida na mente de crianças é de uma violência ímpar e o ato me causa ojeriza.
No entanto por ser uma vítima consciente das seqüelas causadas pelo cristianismo em minha família, sempre abordo o assunto com indignação. Causas ancestrais é o motivo desta indignação. As principais: Um Bisavô, uma Avó e um primo distante.
O primeiro; meu bisavô materno que foi um apaixonado pastor e fundador da 1ª Igreja Batista de Vitória da Conquista (BA), onde a família era radicada. Regia sua vida baseada nos preceitos, nos ensinamentos e no amor a seu Deus. Foi um fiel seguidor de seu Deus e a ele dedicou sua vida. Não era um aproveitador.
Sem delongas... Morreu na meia idade, louco, pobre e enjaulado numa suja gaiola que não serviria para seu chiqueiro em tempos áureos. Mas não perdeu a fé mesmo tendo a doença e a pobreza como prêmios. Seguiu o exemplo de Jó. E daí?...
A  segunda foi minha avó. Era proprietária de hotel, tinha fazenda e era matriarca de uma família numerosa com cinco filhos e vinte  netos. Crente fervorosa e sustentáculo da 1ª Igreja Batista de Montanha (ES). Mantinha uma escola de ensino fundamental dentro da congregação com a intenção de ajudar aos membros desfavorecidos. Pastores, palestrantes e conferencistas hospedavam em seu hotel como brinde à igreja.
Nada fazia sem a permissão de Deus através de muita oração e um dízimo de 10% de sua renda.  Com a anuência de seu Deus, casou a filha caçula com um bêbado iniciando sua ruína familiar pelo desgosto. Passou a velhice roendo beira de penico morrendo em extrema pobreza sem acusar seu Deus pelo infortúnio nem se afastar de sua bíblia. Eu não entendi este prêmio.
O terceiro, um primo distante, também fervoroso cristão da seita Batista, era fazendeiro, dono de laticínio, avião e muitos bens. Construiu a 1ª Igreja Batista na Praça da República em Belém do Pará. Amava seu Deus sobre todas as coisas e tinha convicção da sua fé. Também recebeu como prêmio, na velhice, a doença e a pobreza. Não existe castigo pior que a desventura para quem um dia foi feliz.
Será este o prêmio oferecido pelo Deus de Abraão aos que dedicam sua vida para engrandecer e louvar seu nome?
Não, ele não promete nada, ele não premia ninguém, ele não castiga ninguém, ele não adoece e tampouco cura ninguém, ele não traz bonança nem infortúnio a ninguém. Deus é um personagem psíquico alegórico criado pelo nosso inconsciente coletivo para preencher uma lacuna onde necessitava liderança e comando. Nós, por falta de paternidade, o escolhemos e lhe imputamos poderes, bênçãos e castigos. Por isso cada  sociedade tem seu Deus para adorar, reclamar, pedir e imputar infortúnios.
Mas há aqueles que não se enganam e são chamados ateus. Nesta mesma família existiram alguns que não professavam a mesma fé, como meu pai. Nunca foi em igrejas, não dava esmolas, não sabia rezar nem xingava a Deus. Foi bom marido, bom pai, foi respeitado em sua sociedade. Tinha personalidade forte e caráter ilibado transferindo suas virtudes à sua prole da qual se orgulhava. Morreu aos 92 anos sem que a miséria  nem o infortúnio batesse à sua porta. Para o meu avô, a morte não foi um dissabor. Ele se preparou para recebê-la e morreu com a sensação de dever cumprido. Foi amado por familiares e conhecidos e era chamado de vovô por quem teve o prazer de lhe ser apresentado. Ficou conhecido e respeitado pelo “ser”, e não pelo ter. Sabia rezar, dava esmolas, dividia o que tinha mas não freqüentava igreja. Morreu por falência múltipla de órgãos.
Tenho 62 anos de idade sou hiper tenso, tenho cálculo renal e sou propenso a engordar. Não dou esmolas, não rezo, só sigo um mandamento (não fazer aos outros o que não desejo para mim), odeio a pobreza e não sou batizado nem almejo ser cristão. Se eu morrer amanhã, não foi castigo de Deus  fui vítima de minha própria imbecilidade.
Tenho consciência que não posso culpar Deus pelo infortúnio de alguns familiares nem agradecê-lo pela felicidade de outros. Ele não existe para uns, assim como não existe para  outros. Deus não presenteia carro para uns e miséria para outros.
“Quem dá o pão, não dá o castigo”. Quem dá o pão, ensina. E quem não dá o pão nem ensina não tem o direito de castigar.   ”A nossa mente tem poderes  até para criar deuses  para louvar”.

Comentários

Publiquei este texto lá no "O Lado ou a parte" em agosto de 2011 e foi boa a repercussão. Contei com a participação de muitos parceiros Enéias, Leví, Guiomar, Alexandre, Regina, Donizete... Resolvi replicá-lo aqui, espero que agrade e renda uma boa briga(reflexão).
Levi B. Santos disse…
Miranda

Andei relendo os comentários ao texto publicado em agosto de 2011 no teu blog.

O miolo (a essência) do que comentei naquela ocasião, a reproduzo aqui:

“Não posso negar que as influências que tive dos dois lados paradoxais de minha família (Pai e Mãe), que como uma tese e uma antítese se batiam (uma querendo destruir a outra), hoje, me permitem fazer uma releitura. Releitura essa, não no sentido de me polarizar, mas no sentido de extrair dos dois lados um pouco de sua essência para realizar a minha síntese.


Quer dizer, Miranda, que você “puxou ao pai?

Você é de meu tempo, e deve ter ouvido muito a expressão popular: Esse puxou a mãe, ou esse puxou ao pai

Eu perguntaria a você:

Tem algum sentido mais profundo, essa tirada filosófica popular?

Quanto a mim, pelo lado de pai, eu gostava do carnaval do forró pé de serra, etc. Pelo lado da mãe, eu me deliciava com os sentimentais hinos do Hinário “Harpa Cristã”, e sabia viver equilibradamente sem tanta culpa e medo de castigo. A igreja para mim era mais um lazer. Gostava de me exibir para as meninas tocando acordeão. Quando pressentia que o culto ia demorar, levava revistas para ler durante as insossas pregações (rsrs)

Bem, não sei se com você aconteceu parecidamente. (rsrs)
Caro Levi,
Prazer, de novo!

Minha mãe não entra neste paradoxo, ela se diz crente mas não professa esta fé. Meu pai foi indiferente, para ele se Deus existisse, tudo bem. Se não existsse, amém. Tive forte influência da minha avó materna dos 5 aos 12 anos. Foi nesta fase que fui apresentado à figura do Diabo. Este elemento é um dos protagonistas da Bíblia com cabêça de caprino, mãos de felinos, pés de bovinos, cauda de escorpião, andava ereto e cuspia fogo. Morava no inferno onde navia um fogo eterno para assar quem desobedecesse a Deus. Foi cultivando a arte de ser do contra que procurei conhecimentos através da leitura para refutar esta história sem pé de boi nem cabêça de bode. Para mim, a Bíblia é um rosário de mentiras. O lobo, por necessidade de carinho, afaga o carneirinho que vai esfolar para o almôço.
Eu acho que foi por medo da presença do Diabo, e não, da ausência de Deus que eu fugi da igreja.
Acreditar que Deus existe é acreditar que eu mantenho com a sua existência uma relação tal, que a sua existência é em si mesma, a razão da minha crença. Deste modo posso compreender que as crenças religiosas para serem crenças acerca da maneira como o mundo é, devem ser de natureza comprobatória como quaisquer outras.
Durante o curto período em que freqüentei a igreja, percebi que é mais proveitoso pedir clemência ao Diabo do que perdão a Deus. Vai que chove!
Levi B. Santos disse…
“Pedir clemência ao diabo”, Miranda? (kkkkkkkk)

É, mas eu lhe entendo perfeitamente.

Não sei se na sua infância igrejeira você conheceu o “Livro dos Corações” ― uma literatura proselitista pentecostal que elevava o terrorismo à décima potência, e era mostrado às criancinhas “invangélicas” do meu tempo.

Ainda hoje, ele é publicado para inseminar o medo do diabo na tenra infância. No livrinho aparecia o coração do “crente remido ou convertido”, com os “bichos imundos” saindo dele: sapo, rã, bode, e o chifrudo. Aparecia o coração do crente desviado, cheio de tudo quanto é bicho feio, com o chifrudo centralizado bem no centro do coração em um trono. Aparecia o coração do crente perfeito, com Jesus no trono cercado de anjos de luz. Tinha também o coração do pecador inveterado, do que está sempre caindo em tentação, etc.

Por falar em clemência ao diabo: Bem pequeno, eu tinha sonhos terríveis. Não nego que em algumas situações eu cheguei a pedir encarecidamente que eles se retirassem dos meus sonhos. Acordava ofegante e molhado de suor. (rsrs)

Aqui, nos cafundós da Paraíba onde moro, esse livrinho ainda faz muito sucesso. Não sei se é para a glória de Deus. Deve ser para glória dos escravocratas religiosos de plantão. (rsrsrs)
Levi, você quer dizer que, também, pediu clemência ao Diabo? He, he, he...
Na puberdade eu gostava de induzir os gatos dos visinhos a cometerem o suicidio usando mundéu, bodoque, laço, bofete ou estlingue. quando algum caía, à noite eu tinha pesadelos com o Diabo, até eu descobrir que ele não cria gatos. Conheço muitos homens machões que se mijam com medo de baratas fruto de fobias infantis. O mesmo método é usado por igrejas.
Desobrigue seus filhos da escola dominical, deixe que, quando adultos, escolham em que acreditar. Seja honesto.
Eduardo Medeiros disse…
Talvez as perguntas mais importantes que podemos fazer são: De onde viemos? Quem somos? Por que estamos aqui? Como devemos viver? Para onde vamos?

A ciência nada tem a dizer sobre as três últimas pois lhes fogem à alçada; e às duas primeiras, dá respostas incompletas e provisórias.

Acho que a figura de um Criador, de um "totalmente Outro" pode ser acrescentado à equação, o que só faz elevar as respostas a um outro nível. É uma pena que a religião junto com o Criador que deixou de ser o "totalmente Outro" e virou um paizão, trouxe os diabos, as penitências, os preconceitos, a intolerância, o cabresto.

O cristianismo precisa de uma "purificação"; precisa voltar à mística e ao mistério, à ética e ao humanismo, e esquecer dos diabos chifrudos e do Deus paizão distribuidor de presentes materiais a quem pagar direitinho seus dízimos.

Minha mãe foi uma boa evangélica desde que tenho consciência de ser gente. Meu pai só se converteu quando eu tinha uns 9 anos. Acho que esse período também me deram certo equilíbrio.

Minha mãe, fiel devota, detentora de uma moral impecável, cantora apaixonada por Cristo, hoje perdeu-se no limbo que a Alzaiheimer a prendeu. Não canta mais. Não conversa mais. Mas tenho certeza que se por um minuto pudesse voltar à plena consciência para dizer alguma coisa, ela diria: "Tudo posso naquele que me fortalece" - versículo que ela muito estimava.

Uma religião que forja espíritos tão seguros, tão valentes diante das vicissitudes da vida, não pode ser resumida á mentiras.
Edu, meu caro,

E se esta religião imaginária, que não pode ser resumida a mentiras só existe na imaginação dos que necessitam dela para formar seu caráter? E se esta religião for um mal necessário?
"Talvez as perguntas mais importantes que podemos fazer são: De onde viemos? Quem somos? Por que estamos aqui? Como devemos viver? Para onde vamos?".
A estas perguntas, religião alguma responde com mentiras refutáveis. As possibilidades científicas ainda não foram provadas, não existem evidências comprobatórias, ainda. Algum dia a ciência responderá, a igreja, jamais.
Marcio Alves disse…
EDU, ALTAMIRANDO e LEVI

Estas perguntas talvez sejam importantes nos devaneios filosoficos, pois para a grande maioria de nós meros mortais, as perguntas mais importantes são aquelas que estão ligadas com nosso dia a dia, tipo dinheiro, afeto e trabalho....quando um crente por mais fervoroso que seja, esta na beira da morte, por mais irracional que seja continuar vivo, ele, sem duvida alguma, quer viver e não morrer para "morar na eternidade", ou seja, na teoria, crença em deus e paraiso, mas na pratica da vida, somos totalmente materialista, e queremos viver esta vida aqui e agora, tanto é verdade, que quando uma pessoa morre, a familia cristã faz velorio e não festa.

Por isto que vejo a crença no paraiso como uma auto-ilusão e engano de quem quer crer, e, não que sabe e/ou tem certeza que existe.
Eduardo Medeiros disse…
Mirandinha, o que você tem contra a imaginação? Dizia Einstein que ela era mais importante do que o conhecimento.

Eu gosto muito da ciência; mas quando a ciência é usada como ideologia suprema a coisa fica esquisita. As perguntas que eu apontei não podem ser respondidas pela ciência. Ela pode até um dia, quem sabe, demonstrar perfeitamente como a vida surgiu e tentar definir o que de fato é a vida. Mas quanto ao porquê da vida, ela não terá nada a declarar.

As religiões podem construir boas respostas para tais questões; mas para apreciá-las é preciso ter imaginação.
Marcio Alves,

Também não entendo porquê o cristão tem medo de morrer e chora em velório. Por mais que lhes é oferecido um pedacinho do céu, dentro de um avião em queda livre,todos entram em desespero com medo de morrer. Até os ateus pedem ajuda a Deus para sobreviver. Nesta hora, ninguém quer ir para o céu. Os seguidores de Jim Jones que se suicidaram com a intenção de ir para o céu foram considerados loucos. Então o céu é balela, engôdo ou conto do paco.
Eduardo Medeiros disse…
Marcinho,

nosso atual sistema social baseado no materialismo e no individualismo de fato, colocaram tais questões incômodas para debaixo do tapete. Quem precisa perder tempo buscando os porquês da existência quando uma multidão de americanos consumistas se degladeiam para comprar o novo brinquedinho tecnológico da Apple?

Ninguém quer morrer, nem o crente nem o ateu. Qualquer ateu que diga que é indiferente à morte, está se enganando e qualquer crente que diga como Paulo que o "morrer é lucro" pode estar apenas posando de espiritual.

O crente não quer morrer por que Deus lhe deu esta vida material para viver e tirá-la ou desprezá-la é uma atitude irracional que vai contra o que temos de mais precioso, a vida.´Que venha o paraíso, mas quando chegar a hora.

O ateu, sim, paradoxalmente ao que eu falei acima, poderia desprezar a vida e desejar a morte. Ora, ele se considera um acidente do acaso, logo, morrer ou viver tanto faz, tudo é acidental e não há sentido algum em estar vivo. Não faz nenhum sentido ter família, amigos, felicidade, tristeza. Se ele disser que busca sentido em sua própria vida, ele estará indo contra a própria falta de sentido que o criou e que ele conceitualmente defende. Na verdade, estar vivo é quase uma afronta ao racionalista, pois racionalmente falando, é impossível estatisticamente que uma coisa chamada vida viesse a existir por acidente e sem sentido.
Edu meu caro,

Concordo plenamente, carece de muita imaginação para apreciar as respostas construidas por religiões.

Sou favorável à imaginação. Eu imagino, eu imagino he, he, he...
Carla Fernanda disse…
A vida tem muito de mistério para desvendar, mas me parece que a ética nas relções seria um bom começo de caminho para todas as pessoas..
Beijos e boa Semana!
Edu, meu caro.

A atitude do ateu é peradoxal. Paradoxal é o inferno dos crentes. Veja bem: Deus lhes dá a vida, família, amigos, felicidade, riqueza e sua morte não é um acidente. Pois bem; Este crente passou a vida buscando um pedacinho do céu prometido pelos concessionários divinos e chegada a hora de georreferenciar este lote, o crente refuga, não deseja o tão almejado premio. A vida eterna ao lado de Jesus, no paraíso, deixa de ser interessante. Paradoxal? He, he, he...
Eduardo Medeiros disse…
Todos somos meios paradoxais, né Mirandinha?

Mas vendo de fora, acho que os crentes se deixaram "contaminar" pelo materialismo tanto quanto o ateu. A diferença talvez seja que o materialismo do crente é recheado com uma religiosidade que não almeja o céu "ainda"(inconscientemente, talvez nunca), e sim, gozar das benesses que a sociedade tecnológica nos dá e que nos anestesia quanto às grandes perguntas da existência. Os exemplos que você dá no texto ilustra bem a diferença ente o crente de ontem e o de hoje... O problema do "paradoxo do ateu" não tenho mais nada a acrescentar, já disse tudo. Talvez o Marcinho volte para despejar um monte de bla bla bla pessimista contra a natureza da humanidade mas com certeza, não saberá desatar o nó que talvez ele nem mesmo saiba que está amarrado.

Por isso que adoro ficar em cima do muro(taoísticamente falando, ficar no caminho do meio); de um lado, aproveito o que a espiritualidade tem de melhor para me oferecer, do outro, não deixo de fazer meus exercícios críticos quanto a essa religião meia boca dos nossos dias e posar de cético de vez em quando.

sou discípulo de Abelardo Barbosa, não vim para explicar mas para confundir.
Eduardo Medeiros disse…
ah, sim:

"georreferenciar"?? adorei a palavra; existe ou é um neologismo mirandiano?????...kkkkkkk
Edu meu caro,

"Georreferenciamento". Quer dizer, dotar de referência geográfica os pontos materializados nos limites de uma superfície na terra, na lua ou no céu. Se precisar, sou credenciado.
Eduardo Medeiros disse…
pois é, desconfiei que o significado seria algo parecido. Só nunca tinha sido apresentado ao vocábulo...rs
Este silêncio é ensurdecedor.
Levi B. Santos disse…
Como estamos às vésperas da semana em que se comemora a páscoa, Miranda, vou bradar agora, plagiando Cristo em seu desespero por ter sido abandonado pelo Pai:

POR QUE NOS ABANDONAAAAAAAAAARAM?! (rsrs)
As palavras geográfica e referência você já conhecia mas o cruzamento das duas é novo, está na juventude ainda. Assim como "geomensor" que é o cruzamento entre geólogo e agrimensor.
Acho que estão, todos, em retiros espirituais se redimindo dos pecados hereges cometidos aqui na confraria e com medo do dia 21/12.
Ou então se aninhando para botar os ovos que irão gerar os ovíparos coelhinhos da páscoa.